Apresentação dos resultados da campanha de levantamento subaquático ao largo de Cascais
Ainda há “muito trabalho a fazer” para juntar todas as peças do ‘puzzle’ que compõem a história dos naufrágios à entrada de Lisboa e ao longo da costa de Cascais. Esta é, porventura, a conclusão mais sólida de todas as que foram apresentadas, na passada quinta- feira, no Museu do Mar, pelo grupo de arqueólogos que, no último trimestre do ano passado, mergulharam a fundo, literalmente, neste tema ao longo da costa de Cascais, entre a Guia e Carcavelos e ao largo do Forte de São Julião da Barra. Os trabalhos consistiram no registo gráfico e fotográfico e na georreferenciação dos vestígios mais relevantes, a incorporar na Carta Arqueológica Subaquática de Cascais. Uma missão que trouxe, por arrasto, a descoberta de novos vestígios, além de colocar em causa algumas ideias feitas quanto às peças recolhidas noutros anos, nomeadamente uma “excessiva ligação” ao célebre naufrágio da nau “Nossa Senhora dos Mártires”, ocorrido em 1606, em São Julião da Barra. “A reavaliação desses materiais permitiu-nos ter evidências de outras épocas, desde o século XVI ao século XX, apontando para realidades culturais de diferentes países, como Portugal, Espanha,França e Inglaterra”, explicou ao JR Jorge Freire, responsável pela Carta Arqueológica e co-responsável pelos trabalhos ao largo daquele forte, situado na fronteira entre os concelhos de Oeiras e Cascais. Razão pela qual o esclarecimento cabal dos muitos naufrágios ocorridos naquela porta marítima de entrada para Lisboa (os mais antigos na barra Norte e os mais recentes na barra a Sul) exige futuras expedições. Uma continuidade assegurada, segundo garantiram os arqueólogos. “No fundo, o que fizemos foi uma tentativa de conhecer melhor a realidade para nos próximos anos procurarmos, então, intervir de forma mais consistente”, resumiu aquele investigador do Centro Histórico Além- -Mar (CHAM), entidade que se associou, em protocolo, com a Câmara de Cascais para este projecto, que beneficiou, ainda, do apoio do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico e da Câmara de Oeiras, para além de empresas privadas e particulares. O mapeamento agora concretizado pretendeu trazer maior rigor às referências geográficas anteriormente disponíveis. “Não havia os meios técnicos que existem agora”, explicou António Fialho, arqueólogo ao serviço da autarquia cascalense e co-responsável pela Carta Arqueológica Subaquática de Cascais, explicando que a diferença reside no facto de agora se colocar o GPS ‘mesmo em cima’ do vestígio encontrado, ao passo que anteriormente o aparelho era accionado a bordo, à superfície. Quase nada do que foi visto nas profundezas do oceano foi trazido para terra, na senda das práticas recomendadas pelos organismos internacionais, que apelam à preservação dos vestígios onde eles estão. A excepção foi um pedaço de uma peça de faiança azul que ficaria em risco de se perder caso não fosse resgatada. O reconhecimento agora realizado permitiu rectificar a realidade conhecida, nuns casos, e alargou-a noutros. “O importante da monitorização e de voltar aos sítios é precisamente relocalizar mais coisas porque há sempre processos sedimentares, ou há um desassoreamento na sequência do qual há mais peças que aparecem e é necessário registá-las; por outro lado, no decurso do próprio método prospectivo acabamos por encontrar mais coisas”, confirmou Jorge Freire. E prosseguiu dando exemplos:“Em Carcavelos, andávamos a tentar localizar – e acabámos por localizar – uma âncora e um canhão. Infelizmente, havia mais um conjunto de cinco canhões, mas esse não conseguimos localizar. Em contrapartida, encontrámos um destroço de navio, bem composto, com o qual não contávamos e, por isso mesmo, este ano vamos ter de lá voltar para o caracterizar com maior precisão”. Outra das novidades apareceu a 30metros de profundidade – o mais fundo detectado até agora – na zona da Guia. Se estes dois exemplares se revelaram bastante coesos, um terceiro navio que até agora não era conhecido foi encontrado, igualmente na área da Guia, mas em estado de dispersão dos elementos. A estes juntam-se, na linha Carcavelos-Guia, outras embarcações que já estavam referenciadas no trabalho realizado nos três anos mais recentes, num total de 10. “São navios de ferro, do século XIX a maior parte, alguns já provavelmente do início do século XX”, indica Jorge Freire. Para além de “um conjunto de espólio que são achados, num total de 24, que podem ser ou não destroços de navios naufragados”. Quanto ao mar junto ao Forte de São Julião da Barra, verdadeiro ‘alfobre’ de naufrágios, José Bettencourt, arqueólogo do CHAM e responsável por aquela zona, também frisou que as peças assinaladas “são só um ponto de partida para um trabalho mais profundo”, uma vez que “é enorme o potencial a explorar”. Segundo explicou, a zona foi dividida em três áreas, englobando um total de “57 ocorrências com valor patrimonial”, entre canhões, balas de ferro ou de pedra, âncoras e muitos outros materiais… No entanto, os 28 sítios que estavam referenciados à partida não foram confirmados, ainda, pelas expedições realizadas em Outubro e Novembro do ano passado. “Há erros bastante significativos no posicionamento dos diversos materiais em relação ao que estava descrito”, sublinhou aquele investigador. Tal como a associação ao naufrágio do Nossa Senhora dos Mártires foi “excessiva” em relação a vários vestígios já conhecidos. No campo das hipóteses fica “uma estrutura de madeira”, agora encontrada, e que “pode ou não estar ligada” aos despojos daquela nau, deixando porta aberta a novas revelações. Certo, portanto, é que ainda há muitas dúvidas e mistérios por desvendar no fundo do mar de Cascais… Para já, segundo adiantou António Carvalho, director do Departamento de Cultura do município, a próxima fase do projecto será de avaliação científica dos vestígios e a sua preservação no novo centro de reservas arqueológicas. Jorge A. Ferreira
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