Estragos da crise vêem-se e ouvem-se pelas ruas da amargura do consumo, de Algés a Oeiras
Paralisado! Este é o diagnóstico mais vezes proferido pelos comerciantes nos dias que correm. Em 2010, o comércio “já estava mau, mas ainda mexia”. Agora “está pior do que nunca”. Num curto périplo feito pelo JR, seja no enorme centro comercial a céu descoberto imbricado na malha urbana da Baixa de Algés ou no reduzido conjunto de lojas do Centro Histórico de Oeiras, as perspectivas apontadas para 2012 são negras ou pouco menos. E nem o Natal dá ânimo, com o respectivo subsídio cortado pela metade, deixando antever que ficará a meio, também, o sapatinho das prendas e o cabaz com os produtos típicos desta altura festiva(?). O presidente da Associação Comercial e Empresarial dos Concelhos de Oeiras e Amadora (ACECOA) concorda com o cenário traçado pelos lojistas. “Há um medo real de que muitos estabelecimentos não voltem a abrir as portas em Janeiro!”, avisa João Antunes, considerando que as coisas só não estão piores porque “têm sido feitas, com sucesso, renegociações ao nível do pagamento das rendas aos senhorios”. Circulando pela Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, principal artéria algesina de comércio, é fácil encontrar sinais de que o dinamismo da oferta e da procura já conheceu melhores dias… Aqui é um espaço desocupado, ali um negócio que já ostenta a placa de uma agência imobiliária, acolá uma porta fechada por causa de um gozo de férias que deixa muitas dúvidas... Situações tanto mais frequentes quanto mais o passeio se afasta dos pontos de maior afluência de transeuntes. Enquanto umas lojas fazem os descontos e promoções que podem para se manterem à superfície, outras já têm o destino traçado. É o caso do estabelecimento onde Teresa Fernandes (nome fictício) trabalha há vários anos, que está a vender os últimos produtos para fechar portas. A nossa interlocutora pede anonimato para poder desabafar a "depressão" em que anda, com vários meses em atraso de um salário que é mínimo desde há demasiados anos. “Na prática, ando a pagar para trabalhar!...”, queixa-se, com o sofrimento estampado no rosto, não só pela situação profissional, mas porque esta veio “piorar e muito” factores de ordem pessoal. Muito conhecedora do tecido comercial em Algés, aponta várias situações parecidas à sua para, de seguida, prognosticar: “Em Janeiro, muitas lojas já não reabrem as suas portas”. Mais abaixo, um estabelecimento informa estar de férias. Mas ali ao lado, alguém opina que as férias vão ser para sempre. “Os donos têm outra loja em Lisboa e como precisam lá de um empregado, em vez de contratarem um novo, vão levar o que aqui estava para lá e aproveitam para fechar esta loja”. Rumores por confirmar, mas que não surpreendem... Confirmado está o fecho da mercearia Horta das Beiras, “até ao final do ano”. Informa-o, sem peias, o proprietário, Luís Cabral, de 56 anos, que a tinha adquirido há um ano para fazer valer a qualidade dos produtos de Penalva do Castelo, de onde é natural. “Estávamos a conseguir uma clientela certa, mas a despesa com electricidade era muito pesada, chegou a 400 euros mensais, porque também vendia frangos assados”, queixa-se. Acabou a assadura, mas não o fardo financeiro resultante de haver adquirido mercadorias ao anterior proprietário e, ainda, novas máquinas. “Com esta crise não dá para aguentar”, conclui. Os hortícolas e as batatas já só os trará da terra para consumo próprio, mas para os queijos, vinhos e outros artigos mais requintados tem uma alternativa: “Vou tentar abrir um cantinho ‘gourmet’ em Belém, que é outra coisa em termos de clientela, e lá vou ter o melhor da região de Penalva e da Serra da Estrela”, perspectiva o comerciante. Manterá, no entanto, um outro negócio que tem na mesma Avenida dos Combatentes, de venda e reparação de electrodomésticos e execução de variadas obras em casa. Uma diversidade importante nesta altura. “As reparações e obras estão a dar alguma coisa porque se fosse só pelas vendas também não valia a pena...”, dá conta. No Algés Shopping Center Avenida o discurso é o mesmo, com a agravante de as lojas fechadas serem muito numerosas, sobretudo no piso inferior onde resistem apenas duas ou três. Uma delas é o serviço de florista de Rosa Fernandes, onde a beleza das Estrelas-do-Natal não combinam nada com um comércio cada vez mais “murcho”. “Este ano está a ser mau sem comparação possível”, resume a comerciante, que ali se mantém há 28 anos. No Centro Histórico de Oeiras, o talho e charcutaria Alves & Serrão dá nas vistas pelas prateleiras repletas de pequenas embalagens de bombons, encomendadas à medida e com decoração personalizada feita pelo talhante, António Dias. “É um passatempo de que eu gosto muito e que dá um toque personalizado aos nossos produtos de Natal”, explica o profissional, satisfeito pelo sucesso das peças originais. “São pequenos mimos que servem de prenda e que têm, também, preços pequenos, mais baratos até que nos hipermercados”, frisa. A seu lado, Fernanda Dias, de 75 anos, também está contente pela variedade conseguida entre as carnes e os artigos de charcutaria,mas recorda com saudade as filas até para lá da porta... “O centro histórico continua a ter pouca gente, sobretudo ao fim-de-semana”, diz. “Havia aqui uma loja de electrodomésticos onde as pessoas podiam pagar luz e água e que era um chamariz, mas também fechou”, acrescenta. O filho de Fernanda Dias vê esta questão de forma mais optimista. “Acho que está em fase de transição, há lojas que fecham, outras que abrem...”. Mas concorda numa coisa: “As pessoas andam apavoradas com a crise”.
Jorge A. Ferreira
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