O maior risco das aldeias, bem se sabe, é a desertificação induzida pelo abandono por parte de quem deveria promover a coesão social e territorial. Em contraponto, o seu maior atractivo é o laço familiar dentro de cada casa, facilmente alargado à vizinhança, assegurando um desenvolvimento equilibrado dos mais novos (e, por arrasto, também dos mais velhos). Nas Aldeias SOS – movimento internacional que há mais de 40 anos acolhe crianças órfãs, abandonadas ou pertencentes a famílias que não podem cuidar delas, dando-lhes um lar, amor e segurança, bem como uma educação com vista à sua autonomia e integração plena na sociedade – luta- se diariamente para que não faltem as condições de apoio essenciais à manutenção do sucesso desta rede de instituições. Isso mesmo constatou o JR em visita recente à aldeia de Bicesse, a primeira a ser construída em Portugal (1967) e também a maior das três estruturas criadas no nosso país – as outras estão localizadas em Gulpilhares (Vila Nova de Gaia) e na Guarda. Uma vez que o apoio do Estado, através da Segurança Social, nos últimos anos, deixou de acompanhar a subida do custo de vida, permitindo apenas cobrir40%das despesas fixas, os responsáveis da Aldeia têm procurado colmatar essa lacuna com um apelo a uma maior abertura de coração – e de bolsa – por parte dos seus mecenas, amigos, sócios, beneméritos, entre particulares e empresas. De momento, aquela estrutura tem a funcionar apenas sete das 12 casas existentes no recinto, acolhendo 51 crianças (de um total de 120 nas três instituições). A taxa de ocupação actual é considerada circunstancial pela direcção, mas o certo é que o ritmo de entradas revela uma quebra de quase o dobro quando comparados os anos de 2009 (21) e de 2010 (11). “O ano de 2009 já foi mais difícil. Temos a consciência de que o nosso modelo de acolhimento é mais dispendioso do que outros tipos de acolhimento, mas como acreditamos que é de facto um modelo diferenciador, temos que o manter e para o manter temos de procurar mais ajudas”, reconhece Maria Antónia Saldanha, enquanto serve de cicerone ao JR numa visita às agradáveis instalações de Bicesse, marcadas pela Natureza, pelas casas bem cuidadas e por dois campos de jogos. Há um ano que a nossa interlocutora se dedica mais intensamente ao voluntariado nesta instituição, à frente do gabinete de marketing e comunicação. Mas a sua experiência neste mundo de afectos e emoções fortes remonta à infância, quando ali passava parte das férias, em virtude de a sua mãe ter sido uma sócia-fundadora da instituição. “Habituei-me, desde muito nova, a partilhar os meus livros, roupas e brinquedos com as crianças da aldeia, que eram meus companheiros de brincadeiras; ainda hoje não é sem emoção que vejo os meus antigos livros na biblioteca”, salienta. Mas não é só por esta nota nostálgica e emotiva que Maria Antónia Saldanha defende com unhas e dentes o trabalho que se faz nas Aldeias SOS. “Temos um modelo de inspiração familiar que outras instituições – como os centros de acolhimento temporário ou os centros de reinserção social – não têm porque são, precisamente, instituições no sentido mais literal do termo, enquanto nós apresentamos uma proposta em tudo equivalente a uma família. É nesse aspecto fulcral que somos completamente inovadores… apesar de existirmos há mais de 45 anos!”, enfatiza. Por isso, aquela responsável não tem dúvidas em reclamar créditos para as Aldeias SOS: “Quando se percebe que a criança não pode continuar no seu núcleo biológico e que terá de ser acompanhada e acolhida noutro espaço há que apurar qual é o espaço que melhor se adequa à vivência daquela criança. E nesses casos, honesta e assumidamente, nós queremos e merecemos ser a primeira escolha!”.Claro que a decisão final dependerá, também, do perfil de cada jovem. “Se já tem antecedentes criminais ou situações de toxicodependência requer acompanhamento distinto do que aqui se faz”. E o que se faz em Bicesse, Gaia e Guarda é tudo menos uma missão fácil: trata-se de lidar com situações traumáticas a nível familiar, desde crianças órfãs a vítimas de maus tratos. “Há sempre uma tristeza e uma sensação de desconforto por não estarem a viver com a família biológica. Acima de tudo, o que criança tem de perceber aqui é que a vida não é fácil, infelizmente, e nós não escondemos isso”. Para controlar todos esses factores, a Aldeia conta com o contributo indispensável de três psicólogos, mas também de assistentes sociais e auxiliares. Todos ajudam a manter o bom funcionamento daquele que é, literalmente, o ‘coração do sistema’: as mães sociais. “Não são mães emprestadas, são pessoas que dão a sua vida por esta causa”, sublinha Maria Antónia Saldanha. Cada uma das mães sociais tem a seu cargo uma família numerosa de filhos, entre os quais se podem contar irmãos biológicos ou crianças que foram chegando de forma isolada. Em geral, têm entre os 30 e os 50 e poucos anos e a maior parte delas não tem filhos biológicos. São remuneradas e, também, têm dias em que precisam de dar atenção à sua vida fora da Aldeia, sendo então substituídas, pontualmente, por outras colaboradoras devidamente seleccionadas. Por regra, as mães sociais acompanham as crianças largos anos, até à sua autonomização e integração na sociedade, gerando, é claro, vínculos muito fortes.Não é, por isso, de estranhar que as crianças assim criadas lhes chamem, espontaneamente, apenas de “mãe”...
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