‘Nunca fiz um teatro de proselitismo político’
Director da Companhia de Teatro de Almada e mentor do Festival de Teatro de Almada, Joaquim Benite comemora no próximo dia 24 de Abril 40 anos de carreira. Reconhece que o seu trabalho deixa uma marca na cultura mas o grande desafio será a próxima peça que irá encenar; e depois… a seguinte. Diz que tem a carreira “normal” de um homem de teatro. Um homem que “persiste”, que “passa por muitas agruras” e “tem de vencer obstáculos”. É assim que Joaquim Benite interpreta o texto que escreveu ao longo destes 40 anos como encenador e autor. Um percurso que levou o director da Companhia de Teatro de Almada pela obra de Saramago a Shakespeare, Virgílio Martinho a Albert Camus, passando por Almeida Garrett, Moliére, Marguerite Duras, Raul Brandão, Samuel Beckett, Bertolt Brecht entre tantos outros autores que traduziram a sociedade em cultura. Mas tudo começou com o autor argentino Agustin Cuzzani. A 24 de Abril de 1971, Joaquim Benite e um grupo de jovens actores acabavam de formar o Grupo de Campolide e estreavam “O Avançado de Centro morreu ao amanhecer”. Uma peça em que o encenador veio a reconhecer uma “espantosa coincidência”, três anos depois. “No palco havia um calendário que remetia a acção para um tempo futuro. No calendário, esse dia era 24 de Abril de 1974”, conta. E o homem que já atravessou a carreira de jornalista e crítico de teatro, entre os anos 60 e 70, sabe, de facto, reconhecer os sinais da sociedade e colocar esses dias no palco. Em 1973, conjuntamente com Virgílio Martinho, Benite encenava a peça “Filopopulos”, um texto sobre a queda de um ditador. “Tivemos de sair da sala do Grupo de Campolide, que só tinha 200 lugares, para as Belas Artes, com 2 mil lugares”. E “quando foi a revolução reconheciam-me como o encenador dessa peça”, lembra. Com esta peça teve outro momento marcante, desta vez na Baixa da Banheira. “Quando a peça terminou não ouvi palmas. Estranhei. E quando olhei para a plateia estavam 400 pessoas levantadas, em silêncio, de punho erguido”. Dias antes tinham havido prisões naquela freguesia da Moita. A mesma actualidade acontece em 1978, quando o Grupo de Campolide – que se tinha profissionalizado um ano antes com a peça “1383”, no Teatro da Trindade – vem para Almada e adopta o nome de Companhia de Teatro de Almada. Em cena tem a peça “Aventuras de Till Eulenspiegel”, de Charles Coster, que remete para o universo da resistência. Nessa altura Portugal preocupava-se com a independência nacional; o Fundo Monetário Internacional (FMI) tinha acabado de chegar, pela primeira vez, à nossa economia (1977). Mesmo hoje, altura em que ninguém sabe como vão doer os apertões da ajuda externa, e mais uma vez com o FMI por cá, Benite tem em palco a “Mãe”, de Brecht, em que se fala dos despedimentos e salários em atraso. A peça estreou na passada quinta- feira e “várias pessoas já disseram que podia ter sido escrita hoje”, refere. Mas Benite garante: “Não sou um encenador que fala de forma directa à sociedade através do meu trabalho. Os espectáculos que faço procuram que as pessoas pensem”. E acrescenta: “Nunca fiz um teatro de proselitismo político a dizer qual é a mensagem. As pessoas têm de reflectir sobre as coisas”. Para o director da Companhia de Teatro de Almada, o teatro deve assim “contribuir para o desenvolvimento da consciência do espectador”. E foi também para este abrir de portas ao pensamento que, em 1984, promove a primeira mostra de teatro em Almada. Um sucesso que rapidamente passou do Beco dos Tanoeiros para vários palcos no país, deu a conhecer companhias do mundo e internacionalizou o teatro português. “A verdadeira marca do meu trabalho não foram as peças que encenei, mas os actores que vi formarem-se, o crescimento do Festival de Teatro de Almada e este espaço onde estamos, o Teatro Municipal de Almada, que a Companhia de Teatro de Almada muito contribuiu para que fosse construído”, conclui.
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