quarta-feira, 29 de agosto de 2012

BAIRRO DE SANTA FILOMENA (AMADORA) ‘E agora vamos viver para onde?’


Câmara continua a demolir barracas, mas nem todos têm direito a realojamento

Apesar dos protestos antecipados por parte dos moradores alvo de despejos decretados pela Câmara Municipal da Amadora (CMA), as máquinas entraram naquele que é considerado um dos bairros mais degradados do município. A intenção era demolir mais algumas das barracas que ali ainda subsistem. Alguns dos habitantes sem direito a uma habitação social, uma vez que ficaram de fora do PER (Programa Especial de Realojamento), ficaram sem tecto. Um mês depois as queixas continuam, mas a vida no bairro prossegue. Eurico Cangumi queixa-se que não foi avisado do dia exacto da demolição da casa que habitava na entrada sul do bairro de Santa Filomena. No dia 26 de Julho, quando as máquinas entraram no bairro escoltadas por um forte cordão policial, estava a trabalhar. Ao regressar, apenas lhe disseram que as suas coisas tinham sido levadas para um armazém da Câmara. Reconhece que não tem direito ao PER, porque quando foi feito o recenseamento, em 1993, ainda não vivia em Santa Filomena. Agora aponta para o local que foi a sua casa desde a sua chegada a Lisboa, criticando as alternativas propostas pela CMA. Com a agravante de estar desempregado. “Não posso pagar uma renda no mercado normal de habitação e não tenho dinheiro para pagar os dois meses exigidos inicialmente, mesmo que seja reembolsado depois”, afirma. Não ficou sem tecto para dormir, pois no mesmo dia um amigo acolheu-o numa outra barraca do bairro, onde não existe ainda ordem de despejo ou avisos da Câmara. Mas, apesar disso, Eurico sabe que a solução é provisória e que todo o bairro tem os dias contados. Apesar de ainda não ter ordem para sair da casa onde vive com o filho, de 3 anos, e o irmão, de 21, Ileila Vaz queixa-se que não sabe como será o seu futuro. Só sabe que não está inscrita no PER, pois chegou ao bairro há onze anos, oito anos depois de ter sido feito o recenseamento de todos os habitantes que viviam no bairro. Já foi atendida pelas técnicas da CMA e já reuniu um conjunto de documentos, mas não sabe bem como procurar uma casa no mercado normal de habitação. “Pedem-me umarendanumT1 de 275 euros, mais de metade do meu ordenado”, lamenta. Ileila trabalha nas limpezas do Metropolitano de Lisboa, onde ganha pouco mais de 450 euros. “O meu irmão vive comigo e ele está desempregado, não deixarei esta casa para o meu irmão ficar na rua”, confessa. Apesar da contestação e apreensão por parte da maioria de moradores do bairro, há ainda quem lamente que haja aproveitamento da situação. “Há muita gente que diz viver aqui há muito tempo, mas que só veio para cá há algumas semanas, só para conseguir uma casa”, diz um morador, sem se querer identificar. A CMA, num comunicado, fez saber que “tomou a opção de erradicar o núcleo degradado de Santa Filomena, fazendo para isso um grande esforço financeiro, sem qualquer apoio da Administração Central, com vista a dar condições dignas às inúmeras famílias que desde 1993 aguardam ansiosamente e legitimamente por um lar condigno”. No documento pode ainda ler-se que “para tal, a autarquia iniciou uma nova programação de intervenção no Bairro de Santa Filomena que, nesta primeira fase, envolve 46 agregados familiares. Destes, 28 estão inscritos no PER”, aos quais a Câmara se compromete estabelecer um contrato de arrendamento de acordo com os rendimentos das famílias. No que toca às restantes 18, “esta Autarquia tem prosseguido um trabalho sério de acompanhamento com vista à sua autonomização, tentando encontrar uma resposta adequada e que tenha em conta as especificidades e necessidades de cada um destes agregados. Desde 6 de Março de 2012, e através de sucessivas reuniões com os serviços técnicos da CMA, foi possível encontrar soluções habitacionais para dez destas famílias, encontrando no parque habitacional privado arrendamentos aos mesmos valores que, na sua maioria, suportavam já no bairro”, explica o comunicado. O Programa Especial de Realojamento foi criado com vista à erradicação de barracas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.Nesse contexto, a autarquia da Amadora realizou em 1993 um recenseamento nos vários bairros existentes no seu território, entre os quais o de Santa Filomena. De acordo com esse levantamento, a autarquia da Amadora deparou-se com o desafio de realojar 562 agregados familiares, residentes em 442 habitações precárias, perfazendo um total de 1945 residentes. Ao longo destes anos foram sendo encontradas alternativas habitacionais para 165 agregados familiares, 46 deles através de realojamento e 119 através de programas habitacionais (PER Famílias, PAAR e Retorno). Como resultado destes dados, foram até ao momento demolidas 188 construções dentro do bairro, existindo ainda em Santa Filomena 284 barracas correspondendo a 173 agregados inscritos no PER e 111 famílias em situação de ocupação ilegal. 
Milene Matos Silva

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