A bordo do ‘Paraguaçú’, remador português vai enfrentar o Atlântico Sul
Sozinho num barco a remos, durante quase quatro meses, enfrentando a vastidão do Atlântico desde a costa africana até ao Brasil. O desafio que José Tavares coloca a si próprio, a partir de 15 de Dezembro, quando largar de Marrocos no pequeno “Paraguaçú”, é quase tão difícil como o de exprimir esta aventura em palavras e ter a sensação de que são suficientes. Não é por acaso que o intrépido remador vai dedicar a esta expedição, de mais de 5000 km, um livro – “Ensaio sobre a Solidão” – que já vai ameio só com os preparativos. Para além de toda a carga em mantimentos e equipamentos diversos, que chega aos 600 quilos, este lisboeta de 45 anos vai transportar consigo o peso da responsabilidade dos grandes desígnios e alertas que escolheu para bandeiras da sua viagem. “Chamar a atenção para a ecoeficiência energética e a necessidade de defender a Natureza e a Amazónia em particular como pulmão do mundo; associar-me aos 90 anos da travessia aérea pioneira de Gago Coutinho e Sacadura Cabral; e, na sequência de livros que já publiquei sobre os grandes exploradores lusos, dos de ‘quinhentos’ aos modernos (como o João Garcia ou a Elisabete Jacinto), manter acesa a chama dessas gloriosas epopeias”, resumiu José Tavares ao JR. Ao mesmo tempo que vira costas à crise que grassa no país e na Europa, vê nesta aventura um factor positivo para ajudar os que ficam em terra a enfrentar esse “Adamastor” da nossa era… “Além de lembrar que a eficiência energética é algo que pode estimular a economia e criar muitos empregos, será sempre um bom tónico para que os portugueses consigam ver mais do que o lado negativo, terem alguma iniciativa…”, explica. Quem vai ao mar, avia-se em terra. José Tavares tem estado a treinar no Tejo e em remo ‘indoor’ (com o apoio do Clube Naval de Lisboa). Agosto será passado nas praias do Algarve, em iniciativas promocionais. A componente psicológica será o factor mais importante. Naverdade, José Tavares nunca fez algo parecido. Nem, de resto, qualquer outro português. Como salienta, “foram feitas 86 travessias do Atlântico neste tipo de condições, mas todas das Canárias para as Caraíbas, sempre no Hemisfério Norte. Cruzando o Equador para Sul só houve um navegador italiano a fazê-lo”. E entre quem se propôs atravessar oceanos a remos, uns quantos tiveram de ser resgatados e alguns desapareceram… “Trata-se de um grande desafio de resistência, física e psicológica”, confirma o multifacetado explorador luso, que nos últimos anos tem trabalhado na Serra Nevada, em Espanha. “Sou instrutor de ski e também organizo acampamentos na montanha”, revela, aproveitando para recordar outra façanha: “No ano passado, fui o primeiro português a fazer uma descida de ski a partir dos oito mil metros, na 6.ª montanha mais alta, o Cho Oyu, no Nepal”. Olhando a licenciatura feita em Gestão de Empresas, quem diria?!... Para ajudar a enfrentar a solidão, José Tavares leva um mp3 e livros. “Acho que o tempo passa depressa dentro do barco… Provavelmente, ao fim de algumas semanas vou sentir qualquer coisa, mas penso que será só uma fase”. A ementa a bordo será muito à base de comida liofilizada (porções secas a que se juntam água quente e… ‘bon appetit’). Mas, como bom português, não faltará um ou outro chouriço para desenjoar… Quanto a bebida, será obtida a partir de um dessalinizador, embora o lastro do barco inclua 130 litros em garrafas de água. A energia para alguns destes equipamentos virá de três placas solares que o ecológico “Paraguaçú” leva “às costas”. Quando estiver cansado ou a dormir o barco ficará à deriva. “No Inverno, os ventos são favoráveis para sul”, perspectiva o explorador, que terá a ajuda de GPS, bússola e, claro, binóculos. Numa embarcação com 7,2 mx 2mx 1,6 m, ficar exposto na frente de um navio ou de uma baleia distraída não é nada aconselhável. Para se “fazer ver”, poderá usar o sistema rádio e, em caso de perigo maior, accionar o socorro de um sistema de vigilância com sede em Inglaterra, onde o “Paraguaçú” está registado. Sem filhos, mas com um pai que já desistiu de o fazer desistir e se aliou ao projecto, José Tavares está preparado para lidar com a saudade. Sabendo que sem ela os reencontros não seriam tão memoráveis. “Se pudesse, partia já hoje”, diz ao JR.Mas ainda falta reunir apoios e patrocínios. Nesse sentido, o navegador oferece um lugar na história desta aventura a quem puder ajudar: com um mínimo de 50 euros, o benemérito ganha direito a ter o seu nome escrito no convés do barco e no livro; a partir de 100 euros, para além disso, receberá uma chamada para o telemóvel com origem em pleno oceano. Não é todos os dias… Mais informações em tra vessiaoceanica.blogspot.com ou pelo 92 569 87 76.
Texto: Jorge A. Ferreira
Fotos: Filipe Guerra
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