quinta-feira, 5 de julho de 2012

OEIRAS Centro do Cafeeiro produz plantas à prova de pragas

 

O mundo do café não seria o mesmo sem investigação feita no concelho de Oeiras, na maior plantação da Europa

Poucos o sabem, mas Oeiras tem a maior plantação de café da Europa! Situa-se na Quinta do Marquês e ocupa meio hectare em estufas. Naturalmente, ali não se cultiva arábica ou robusta para produzir a revigorante bebida. Mas faz-se um trabalho que, desde 1955, tem sido essencial para manter muitos países produtores de café, desde o Brasil à Colômbia, passando pela Tanzânia ou Timor, a salvo de doenças que atacam em exclusivo aquele género de plantações, as principais das quais são a ferrugem alaranjada e a antracnose dos frutos verdes. Naquela época, temendo que o fungo que provoca a primeira daquelas maleitas (o Hemileia vastatrix) invadisse, também, o continente americano, os Estados Unidos investiram cerca de 116 mil dólares na construção das estufas em Oeiras para que ali fossem estudadas formas de combater aquela doença. De lá para cá, o Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC) recebeu milhares de cafeeiros e juntou uma colecção única no mundo que será o maior pesadelo de qualquer agricultor deste sector: mais de 3000 amostras de ferrugem, que permitiram identificar 45 estirpes do Hemileia! Num jogo de gato e rato entre fungos e humanos, os produtores de café ficaram a ganhar, prevenindo a dizimação das suas colheitas através de espécies mais resistentes e evitando, assim, o recurso à pulverização com pesticidas, técnica mais onerosa e, também, agressiva para o meio ambiente. Tão ou mais espantoso do que o facto de Oeiras ter o maior cafezal da Europa – na verdade, só o é porque não há outros no continente europeu, exceptuando projectos de menor dimensão em França – é a constatação da dimensão planetária do serviço prestado pelo CIFC. “Mais de 90% das variedades de cafeeiro com resistência às principais doenças cultivadas a nível mundial foram obtidas a partir de estudos feitos directa ou indirectamente no nosso centro”, sublinha ao JR a sua directora, Maria do Céu Silva, lembrando as relações de cooperação com mais de 40 países cafeicultores. Embora possa ser intrigante a escolha de Portugal para este efeito, a explicação é simples. Na verdade, só num país onde não há condições naturais para se cultivar café é que faz sentido este tipo de investigação, pois assim se evita que os fungos, que atacam apenas o cafeeiro, possam ir contaminar áreas inteiras de produção. “Mas também porque temos boas temperaturas, que permitem poupar no aquecimento das estufas e, ainda, porque tínhamos ligação à cultura do café nas antigas colónias e havia já investigação em curso”, acrescenta Vítor Várzea, responsável pela área de trabalho prático com os cafeeiros. A partir de 1989, os estudos com a ferrugem alaranjada foram estendidos à antracnose dos frutos verdes (Colletotrichum kahawae). Ambas as doenças estão disseminadas no continente africano, de onde a antracnose ainda não conseguiu sair, o que não evita que os produtores dos outros continentes temam esse desfecho. Por isso, os contributos do CIFC nas duas vertentes têm sido devidamente aproveitados. Um dos mais importantes foi a descoberta do híbrido de Timor, uma planta que mistura arábica com robusta e se revelou imune a todas as estirpes do Hemileia vastatrix que então se conheciam. Do cruzamento com outras variedades feito no CIFC resultaram, a partir de meados do século passado, plantas muito resistentes em vários pontos do mundo. “O nosso centro distribuiu as sementes das plantas híbridas de Timor, cruzou-as para obter outras variedades, que também enviou a praticamente todos os países que produziam café na altura”, realça Maria do Céu Silva. Tudo a troco de nada ou quase nada, o que nos dias que correm – em que a “ajuda” internacional só chega na condição de juros altos ou altíssimos – dá que pensar... “Temos um convénio com uma instituição privada da Colômbia desde há 35 anos que tem sido a fonte de receitas mais regular, embora tenha vindo a diminuir de valor; do México e do Brasil surgem algumas verbas de forma intermitente. Agora vamos avançar com um projecto na China, onde 90% de todo o material que eles lá têm foi mandado pelo centro, mas algumas das variedades estão a perder resistência e eles querem reatar a cooperação connosco”, revela a directora do CIC, aludindo ainda as relações fortes com a Índia, a colaboração com países africanos de língua inglesa, como o Quénia e a Tanzânia, ou com Angola que, antes da guerra, chegou a ser um dos principais produtores de café robusta em África. “Estão a tentar voltar à produção, já lá fomos duas vezes e fizemos propostas para reabilitar a cafeicultura, vamos a ver…”. O Brasil assumiu, ainda, uma forma de pagamento muito peculiar: “Em homenagem e reconhecimento ao trabalho feito pelo centro decidiram dar o nome Oeiras a uma das variedades que obtiveram em campo a partir de plantas que lhes enviámos”, orgulha-se Maria do Céu Silva. Jorge A. Ferreira

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