terça-feira, 21 de junho de 2011

AGUALVA-CACÉM Cante Alentejano na cidade

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Manter tradição requer mais apoios e juventude A brincar na beira da estrada cortada ao trânsito, o bando de miúdos, na maioria de origem africana, não sabia quem eram aqueles avôs todos de braço dado a descerem a rua cantando e muito menos percebiam porque seguiam tão vagarosamente. “Não podem ir mais depressa?”, pergunta um dos petizes. Poder até podiam, mas não seria a mesma coisa, como bem sabe Maria de Lurdes Zacarias, de 76 anos, minhota que casou com um alentejano de Baleizão, o que não a impede de lançar uma “provocação” sem qualquer eficácia: “Quando cá chegarem já a malta está a dormir!”… Pelo contrário, há sempre aplausos lançados das janelas ou dos passeios da Rua Machado e Castro quando passa algum dos colectivos convidados por “Os Populares do Cacém” para o 30.º Encontro de Grupos Corais e Musicais Alentejanos, que se realizou este sábado, proporcionando uma tarde bem animada, com desfile na via pública, actuações no palco montado na EB1 n.º 3 do Cacém, sem esquecer os petiscos e o bom vinho. Enquanto assiste à passagem dos grupos, aproveita, então, a natural de Melgaço, há 32 anos a morar no Cacém, para se redimir da “boca” ao ritmo devagar, devagarinho do desfile. “Ficou-me cá dentro a maneira de ser muito simples e afectiva dos alentejanos”, conta Maria de Lurdes Zacarias, que contactou com o Alentejo por via do falecido marido e do sogro, de Baleizão. “São pessoas muito hospitaleiras, mesmo que não nos conheçam de sítio algum; ninguém chegava sem levar um mimo, não havia maldade nenhuma”, vai elogiando, com sentida emoção. Também Julieta dos Santos, de 56 anos, não tem dúvidas sobre o carácter das gentes alentejanas. “É tudo gente muito unida e hospitaleira”, diz sobre Santo Aleixo da Restauração, aldeia histórica de onde vieram actuar ao Cacém dois grupos corais, o masculino, e o feminino, este nascido apenas há dois anos no âmbito da Associação Recreativa e Cultural “Sol da Vida”, que tem várias actividades na área do teatro, da solidariedade social, da música, dança, marchas populares… “A Dona Isabel é que faz as letras do grupo, como do teatro, mais os cursos…”, indica Julieta dos Santos, referindo- se à líder do coro, socióloga de formação que venceu as eleições para a Junta de Freguesia de Santo Aleixo em dois mandatos seguidos desde 2001, após regressar da Suíça onde trabalhava nos tribunais com casos de violência doméstica e divórcios surgidos na comunidade portuguesa. “Ela revolucionou Santo Aleixo”, não hesita em afirmar esta alentejana do Cercal, revelando que anda muita gente a querer comprar casa naquela aldeia histórica do concelho de Moura. “Fazem bem que é terra pacata de gente boa”, diz Julieta dos Santos, satisfeita pela dinâmica da associação que representa e pelo facto de, segundo afiança, outros grupos femininos estarem a nascer pelo Alentejo, incluindo gente jovem nas suas fileiras. Menos optimista vai sendo o discurso dos responsáveis do grupo organizador do evento do passado sábado. É que, além dos constrangimentos financeiros, “Os Populares do Cacém” estão com dificuldades em assegurar a continuidade do seu esforço de preservação cultural por falta de adesão dos mais novos. “No Alentejo não será assim tão difícil dar a volta à situação,mas aqui já se sabe como é: só querem discotecas, é natural…”, conforma- se o ensaiador, Isidro Ramalho, de 67 anos, principal fundador do grupo coral alentejano que é o único do género no concelho de Sintra. Para inverter a tendência seriam necessários mais apoios, que não existem na medida do desejável, como reconhece o presidente do grupo, Isidoro Rocha: “Já fizemoseventoscom14 e 15 grupos, mas ao longo dos tempos, devido às dificuldades financeiras que todos os grupos têm sentido, temos vindo a reduzir até chegarmos a metade como nesta edição”. Ou seja: “Vamos continuar até onde pudermos e enquanto tivermos os apoios que temos tido, apesar de tudo”, conclui Isidoro Rocha. Acabar não está no horizonte mais próximo, mas, a acontecer, “será um dia muito triste”, não duvidam os responsáveis do grupo do Cacém (que faz 31 anos esta sexta-feira). Não só para a população urbana que tem podido respirar o espírito da planície durante estes encontros anuais, mas também para os próprios membros, alguns deles octogenários, que aqui reencontram alegrias do passado e aliviam maleitas do presente. “É uma força que a gente tem cá dentro: eu, às vezes, ando aborrecido com isto ou aquilo,mas chego lá abaixo, onde a gente ensaia, a malta começa a aparecer e esqueço logo os problemas”, diz Isidro Ramalho, com esperança que não acabe no concelho de Sintra o Cante Alentejano.

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