quinta-feira, 21 de junho de 2012

MARIA EMÍLIA DE SOUSA ‘Em Almada tomamos medidas de fundo’


Presidente da Câmara analisa actual estado do concelho, a propósito do Dia do Município, que se comemora a 24 de Junho

A presidente da Câmara de Almada considera que o Governo está a aplicar leis que sufocam os municípios. Em entrevista ao Jornal da Região, a comunista Maria Emília de Sousa é dura nas palavras e afirma que o Poder Local está em risco.Diz ainda que uma das soluções para tirar o País da crise é avançar com as Regiões e rentabilizar o património local.
Quase no fim de mais um ciclo das Opções Participativas pelas onze freguesias do concelho, que conclusão tira das sugestões, e por vezes queixas, da população?
Este novo ciclo confirma que o trabalho feito com base nas contribuições das populações em 2011, foi efectivo. Para além de termos respondido às questões colocadas pelas pessoas, muitos dos contributos foram tidos em conta na elaboração das Opções do Plano e Orçamento 2012, e estamos a executar esse plano. Os novos contributos, para além de ajudarem a orientar a nossa intervenção, vão ser considerados no Plano para 2013.
A mobilidade no concelho de Almada é destacada pela população como um dos grandes problemas. Que decisões tomou o executivo da Câmara Municipal?
A mobilidade não é apenas uma questão local. No que depende da Câmara tem havido uma actuação permanente, mas estamos dependentes de opções e políticas nacionais. Para aliviar os problemas de trânsito dentro do concelho é determinante construir os nós de acesso à A2; há mais de 20 anos que alertamos os governos, mas tem sido sempre adiado. Os autarcas de Almada, Seixal e Barreiro pediram ao actual ministro da Economia uma audiência para tratarmos desta questão, entre outras, mas ainda não teve tempo para nos receber. Esperamos que o faça, porque este é um problema que afecta diariamente as populações e condiciona o desenvolvimento económico e social da região. Não faz sentido que muito do trânsito que atravessa a Ponte 25 de Abril tenha de passar pelo Centro Sul. Isto só se resolve quando o troço entre o Fogueteiro e a Praça da Portagem for assumido como urbano, e isso implica a abertura do nó de Corroios.
O índice de cobertura dos Transportes Públicos é outra das críticas repetidas pela população. O que pode a Câmara fazer nesta matéria?
É outro dos assuntos que pretendemos colocar ao ministro da Economia. Os Transportes Colectivos dependem dos decisores nacionais e dos operadores. As pessoas queixam-se não só da redução de carreiras, mas também da falta de articulação entre os diferentes modos de transporte. Não são os municípios que atribuem as indemnizações compensatórias aos operadores rodoviários.
Defende que deviam ser os municípios a lançar o concurso público para a concessão da exploração do transporte rodoviário urbano. Porquê?
É uma garantia para as populações serem mais bem servidas. Não me refiro ao transporte rodoviário interurbano ou regional, essa competência tem de ser estabelecida noutro patamar. Mas todos deveriam estar articulados na Autoridade Metropolitana de Transportes, mas este organismo
ora avança, ora recua, e tem sido assim sempre que muda o governo. A Autoridade Metropolitana de Transportes tem de ter competências de fiscalização, articulação, tarifários e outras matérias. A Área Metropolitana de Lisboa devia corresponder a uma autarquia regional eleita por sufrágio directo e universal, com Assembleia Metropolitana e uma Junta Metropolitana com poderes deliberativos e executivos. Se assim fosse a Autoridade Metropolitana de Transportes já existia.
Ultimamente tem insistido na necessidade de existirem Regiões. Porquê?
Depois de 34 anos como autarca, dos quais 25 anos como presidente da Câmara e com experiência também ao nível da Área Metropolitana de Lisboa, tenho conhecimentos que me permitem ter opinião sobre esta matéria. Se existissem as cinco regiões-plano com órgãos eleitos por sufrágio universal, os fundos comunitários teriam sido mais bem geridos e o País não teria chegado ao atraso a que chegou. Isto não é difícil de perceber, basta olhar a evolução do país pelo que foi feito pela mão do Poder Local. Se as regiões existissem, com competências descentralizadas pela administração central, teríamos um território nacional desenvolvido de forma equilibrada. 

Mas temos um País gerido a partir do Terreiro do Paço. Aliás, a criação das Regiões está prevista na Constituição da República. Acredita que as Regiões poderão, um dia, ser criadas? 
O panorama actual é continuar a adiar. O País é um laboratório permanente onde diferentes políticos vão ensaiando as suas ideias.As comunidades intermunicipais e as autoridades metropolitanas, não eleitas directamente pelas populações, não funcionam. Mas em vez de se criarem as Regiões são aplicadas políticas para acabar como Poder Local. Actualmente quem executa os planos regionais são os ministérios. Isto é um absurdo.
Qual a situação do Programa CostaPolis depois de ter estado um ano a aguardar a eleição da assembleia-geral?
A Sociedade CostaPolis é formada pelo accionista Estado (com 60 por cento), e o accionista município (40 por cento). É ao accionista maioritário que compete marcar a eleição da assembleia-
geral, o que já foi feito (o Estado tem dois administradores e a autarquia um). Quando o actual Governo tomou posse pedimos uma audiência à ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (Assunção Cristas). Eu, o presidente da Assembleia Municipal e o presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica fomos recebidos, em Setembro do ano passado, e a senhora ministra garantiu-nos que o plano estratégico não estava em causa, que o tempo para a sua concretização seria aquele que fosse necessário e que o resultado da venda dos terrenos cedidos pela autarquia e Estado seria aplicado na operação. Disse também que o Orçamento de Estado não contemplaria verbas para o Polis face à situação nacional, mas ficou a possibilidade do programa poder beneficiar de recursos financeiros do QREN. 

E ficaram tranquilos?
Ficámos! Mas estranhámos que o processo continuasse parado e pedimos a intervenção do senhor primeiro-ministro que nos remeteu novamente para a ministra, que não nos voltou a receber. Entretanto, recentemente, fomos confrontados com uma reprogramação apresentada em conselho de administração da CostaPolis que não respeita o plano estratégico. Uma reprogramação que não teve a participação do accionista município. Esta determina que o programa é para ser executado até 2013. Isso é impossível. Significa uma amputação do plano estratégico. O representante da autarquia votou contra a reprogramação e pedimos uma reunião à senhora ministra, com carácter de urgência. Foi-nos dito que será este mês. 

O município exige que o Programa Polis decorra até 2017, mas perante o limite de 2013 o que vai ser executado? 
Esta situação não está resolvida. A decisão final será tomada em assembleia-geral, através do accionista Estado e accionista município. É preciso saber se a proposta apresentada resulta de instruções dadas pelo Governo aos seus administradores na CostaPolis, ou não. Por isso neste momento tem de ser o primeiro-ministro a clarificar esta situação. É preciso saber se o que o Governo quer é enterrar o Polis da Costa da Caparica e adiar o potencial da freguesia. 
E os projectos dependentes da Unidade de Gestão do Programa Operacional  Regional de Lisboa (POR), qual o ponto de situação?
O Governo pretende limpar o QREN e, entretanto, a plataforma POR está bloqueada não permitido aceder para saber o ponto de situação. Temos tudo em marcha, esperamos que as candidaturas aprovadas não estejam em causa. Mas é preciso confirmar. Entretanto o Tribunal de Contas está a pedir documentação sobre as candidaturas aprovadas, mas com a plataforma bloqueada não temos acesso às reprogramações e tudo isto causa atrasos nas candidaturas no âmbito do QREN.
O município está num impasse nesta matéria?
É absurdo que o Tribunal de Contas não aceite uma declaração do município a garantir que, mesmo sem QREN, as obras serão feitas. Estas obras são pequenos contributos para a nossa economia, mas muito importantes para as empresas.
E quanto aos grandes projectos como Almada Nascente – Cidade da Água e o Arco Ribeirinho Sul, há garantias de que avançam?
Estão também adiados. Os municípios estavam a trabalhar com a Sociedade Arco Ribeirinho Sul e já tínhamos em perspectiva as sociedades executoras locais. Já estava clarificado como seria a transformação deste território (Margueira, Siderurgia Nacional e Quimiparque) e qual o valor financeiro. Mas o Governo decidiu extinguir a Sociedade Arco Ribeirinho Sul. Mas em substituição criou a empresa Baía do Tejo. Mas veio alterar o ritmo de trabalho. Estávamos a trabalhar no plano de urbanização de Almada Nascente, que está aprovado e em condições de ser executado. Também me preocupa a substituição de todas as pessoas do conselho de administração, com isto perdeu-se a memória de um processo que foi construído por etapas. Estávamos, inclusivamente, a elaborar um plano de ‘marketing’ promocional para ser apresentado dentro e fora da Europa sobre o potencial aqui existente. Entretanto foi apontado um grupo de acompanhamento presidido pelo presidente da CCDR-LVT, com as três câmaras e organismos ministeriais, vamos ver.
Considera que se está perder tempo na execução de projectos que podem ajudar a acalmar a crise financeira nacional? 

É necessário rentabilizar o património que temos para ajudar o País a sair do buraco. Não basta dizer que estamos em crise e cumprir bem a lição. É preciso transformar o que temos em dinheiro, dar trabalho às empresas nacionais e criar postos de trabalho, isso passa por transformar áreas industriais desactivadas e desenvolver uma Costa atlântica que tem um valor incalculável. A recuperação financeira do País não passa por vender empresas e alienar o pouco que o Estado ainda tem. É bastante crítica do Livro Verde da Reforma da Administração Local. Já lhe chamou “golpe de estado” legislativo. É o Livro Negro de destruição da autonomia e natureza do Poder Local. É o caminho da marcha atrás para a qualidade vida e direitos sociais das populações. Foram gerações de entrega a um Poder Local que está a caminho de ser destruído.
Refere-se à extinção de freguesias?

O corte de freguesias é uma machadada tremenda na vida das populações. Já tiraram escolas, centros de saúde, tribunais, agora são as freguesias, isto a pretexto da rentabilidade. Mas que rentabilidade? E a qualidade de vida das pessoas? A rentabilidade social é indissociável da rentabilidade económica. É preciso pensar nas consequências. Há aqui uma visão estreita e tacanha que tem responsáveis. É muito perigoso quando o poder económico domina o poder político, isto põe em causa a democracia. E o argumento usado para aplicar a Lei dos Compromissos também é uma falsidade. E a proposta de lei sobre a redução dos quadros dirigentes diz ser “estúpida”. É uma loucura. O corte é para aplicar à Câmara Municipal e Serviços Municipalizados de Água e Saneamento, em que cada estrutura tem o seu quadro de pessoal. O que se pretende é criar limites aos dirigentes no somatório das duas entidades, tendo por base a população. Ou seja, uma câmara com a mesma população que o nosso município que tenha criado várias empresas municipais e ficou com pouco para gerir nos seus serviços, pode ter tantos dirigentes como a Câmara de Almada que tem toda a gestão de serviços internamente. É uma lei estúpida. O critério não pode ter por base o número de população. O adequado é estabelecer um critério em que os encargos com a estrutura dirigente seja uma percentagem da massa salarial da Câmara.
Qual é então o objectivo desta lei?
É privatizar. O objectivo é esvaziar o Poder Local e as funções do Estado. Por isso digo que é um “golpe de estado” por via legislativa, que coloca em causa os direitos dos cidadãos inscritos na Constituição da República. A lei dos dirigentes e do Sector Empresarial Local ainda está da Assembleia da República; vamos ver.
As novas regras impostas às empresas municipais colocam em causa a Ecalma?
A Ecalma está de boa saúde. O Sector Empresarial Local pretende empurrar os municípios para privatização dos serviços públicos. Primeiro criam o garrote à gestão e depois vêm com a bondade de que podem recorrer a capitais privados. As novas regras obrigam as empresas municipais a terem como receita 50 por cento das despesas de funcionamento. A Ecalma tem receita para a sua despesa de funcionamento. O que precisou, quando foi criada, foi de investimento em instalações, material circulante, equipamento, etc.; e isso não entra nestas contas.
Que leitura faz do memorando de acordo assinado entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses para ajudar as autarquias endividadas?
Nem todas as autarquias estão de acordo com um memorando que não promove a economia local. Os mil milhões de euros que o Governo diz que vai disponibilizar aos municípios com dívidas, são o que nos foi tirado pelo Orçamento de Estado nestes últimos três anos. Por outro lado, o memorando não dá dinheiro às autarquias, empresta e cobra juros. Mais ainda, obriga os municípios, durante 14 ou 20 anos, a aplicarem as taxas máximas no IMI, na Derrama, nos resíduos sólidos e água e a rever as licenças nivelando por cima. Impede ainda os municípios de fazerem protocolos com o movimento associativo e reduzir as despesas ao essencial. O que é reduzir ao essencial quando estamos a falar de serviços à população? 

Almada vai precisar de recorrer a este memorando?
Não! A nossa situação financeira não precisa. Só espero que não nos tirem o tapete. Este memorando obriga ainda os municípios que recorrerem ao empréstimo a desistirem dos processos judiciais que avançaram contra o Estado. No caso de Almada, teríamos de desistir do processo que exige um milhão de euros que o Ministério da Cultura deve ao município pela construção do Teatro Municipal e tínhamos de desistir da providência cautelar contra a cobrança de 5 por cento do IMI de 2011. Por isso, digo que este memorando é uma chantagem.
Humberto Lameiras

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